Apesar das críticas, elas mostram que entendem de futebol

FOTO: Flávio Duca

Ana Carolina Castro e Thais Vieira

“Parece um homem torcendo.” “Futebol é coisa para macho.” “Só quer saber de olhar jogador bonito.” Se você é mulher, gosta de futebol e nunca ouviu estas frases, que mostre o primeiro cartão amarelo. Agora, elas colocaram o time em campo e não pretendem sair. O futebol, que antes era considerado uma prática masculina, ganha cada vez mais espaço entre as mulheres.

Segundo o professor e historiador César Gomes, o esporte é um símbolo nacional para o brasileiro. “Ele surge como uma prática de diversão e distração das camadas populares, dos trabalhadores da Inglaterra e passa a ser regulamentada pela elite nas escolas inglesas. Chega ao Brasil já formatado, com as regras e o formato do futebol moderno. É uma forma de lazer barata, acessível a toda e qualquer classe social, pois basta ter apenas uma bola e uma área onde se pratica essa atividade. Porém, isso reflete na desigualdade social no Brasil, uma vez que, embora ingressasse no Brasil como um esporte de elite, é praticado desde sua chegada pelas camadas populares e isso acaba ganhando corpo de norte a sul”, declara.

Para ele, “além de promover a competição, o futebol faz com que haja a integração entre as pessoas. O “Maracanaço” é um exemplo disso. Ele fez com que o brasileiro sentisse um complexo de vira lata. A Copa de 70 foi fundamental para tornar o Brasil mundialmente conhecido. A partir de então, o futebol foi popularizado e serviu como porta de entrada para a superação de condições sociais, ou seja, é um esporte que permite a todas as classes praticarem, e é possível ascender socialmente de acordo com a sua habilidade”.

A jornalista Clara Albuquerque – FOTO: Reprodução Facebook

Com sua difusão, o futebol também tomou conta do universo feminino, cabendo às mulheres tornarem-se atletas profissionais, torcedoras e até jornalistas esportivas.

A jornalista e assessora de imprensa do Vozão, Mari Rios – FOTO: Reprodução Instagram

Clara Albuquerque, correspondente do canal Esporte Interativo na Itália, e Marina Rios, assessora de comunicação do Ceará Sporting Club e apresentadora do programa “Vozão TV”, são exemplos de mulheres que deram certo no ramo esportivo e mostram que entendem de futebol assim como os homens. Tanto para uma, quanto para outra, a paixão pelo esporte foi passada de geração em geração. Clara espelhou-se na mãe, torcedora fanática, enquanto Marina frequenta os estádios desde criança acompanhada do pai, fundador da maior torcida organizada do Ceará Sporting Club.

“O CT (Centro de Treinamento) onde trabalho, eu frequento desde 1998 e é bacana porque eu vi toda a evolução da estrutura do clube. Então, sempre acompanhei o futebol, gosto de assistir desde criança”, afirma Rios.

Enquanto para Marina o ramo esportivo sempre foi sua especialização favorita do jornalismo, o interesse em Clara só se manifestou mais tarde. “Quando me formei, por diversos motivos, não tinha a intenção em atuar na área, mas o lançamento do meu primeiro livro, que foi resultado do meu trabalho de conclusão de curso, mudou tudo”, revela Clara. Após a experiência como escritora, veio o convite para trabalhar com futebol e foi instantâneo: a baiana se apaixonou pela área.

Um estádio de futebol é visto pelos torcedores como um local sagrado, mágico e para as jornalistas não seria diferente.

Segundo Albuquerque e Rios, a experiência é indescritível. “Conheço e trabalho em alguns dos estádios mais históricos do futebol, com torcidas e ambientes fantásticos”, ressalta Clara, que quando trabalhava em Salvador, tinha acesso ilimitado aos estádios por trabalhar como comentarista no estúdio.

Para Marina, a jornada é dupla. Ela é responsável por assessorar o time e cobrir os jogos. “É uma correria legal de se viver. São duas coisas paralelas e distintas ao mesmo tempo, mas o aprendizado é incrível. Você estar ali naquele meio, fazendo o que você gosta de fazer, a sensação não tem como descrever.”

O que contam as torcedoras?

O futebol promove, não só o amor pelo esporte, mas também a integração. Esse é o caso das quatro estudantes Bruna Barbieri, Bruna Barcelar, Rayana Bombardi e Victoria Carolina, que são diferentes entre si, mas motivadas pela mesma paixão.

FOTO: Flávio Duca

Segundo a estudante de Publicidade e Propaganda Bruna Barbieri, o interesse pelo futebol começou desde cedo. “Tinha 6 ou 7 anos quando meu pai me levou a uma escolinha de futebol, onde só havia meninos. Fui até os 12 anos e não perdia um dia sequer. Meu pai é palmeirense e sempre comprou uniformes do Palmeiras para eu usar. Esse amor pelo time do coração passou para mim e ele cresce cada vez mais.” Além de ir a um estádio de futebol dez vezes, Bruna acompanha aos jogos sempre que pode.

FOTO: Flávio Duca

“A sensação de conhecer estádios novos e ter contato com a torcida, cantando e vibrando é única. Recentemente, visitei o Allianz Parque e foi um momento indescritível, pois me senti em casa. Sempre que consigo assistir aos jogos, eu acompanho, seja em casa com meus pais ou pelo celular.”

Quem também acompanha os jogos desde criança por influência da família são as estudantes Bruna Barcelar (Jornalismo) e Rayana Bombardi (Engenharia Civil). Bruna costumava frequentar os jogos do irmão que praticava o esporte em uma escolinha, acompanhada do pai e da irmã, enquanto Rayana também foi influenciada pelo pai e o avô, que costumavam jogar pelo time da cidade, o Andradina. “Eu praticamente cresci com uma bola no pé, comecei a acompanhar os jogos e entrava no campo, brincava com a bola, com os meus tios e meus primos”, lembra Bombardi.

FOTO: Flávio Duca

Para as duas, a paixão pelo futebol é compartilhada em família. Chegam a se reunir com os pais para acompanharem as partidas pela televisão. Apesar de ambas torcerem por alvinegros paulistas, dentro de campo estão de lados opostos: Bruna torce pelo Santos e Rayana, para o Corinthians.

Por outro lado, para Victória, torcedora fanática do São Paulo, o interesse por futebol só surgiu mais tarde, aos 10 anos. Sempre que pode, a estudante de psicologia assiste ou escuta as narrações dos jogos do tricolor, reunindo as amigas e primas para assistirem as partidas juntas.

FOTO: Flávio Duca

Das quatro torcedoras, apenas Rayana e Bruna Barbieri tiveram a oportunidade de acompanhar os times do coração no estádio, mas a unanimidade é desagradável: todas já ouviram comentários machistas por serem fãs de futebol.

De olhares tortos ao famoso interrogatório: se entende mesmo, fala a escalação do time da Copa de 70, então!

Os comentários impertinentes disfarçados de brincadeira incomodam, como se mulher fosse incapaz de gostar e entender de fato sobre futebol.  “O futebol não foi feito só para eles e nós também temos voz para falar sobre o esporte e isso não é engraçado, motivo de piada. Respeito é necessário e bem-vindo”, alerta a torcedora Bruna Barcelar.

Tais comentários não ficam apenas fora de campo. Dentro dele, jornalistas precisam lidar com as mesmas situações ofensivas. “Qualquer discordância com alguma opinião minha era motivo para dizer que eu não entendia de futebol porque era mulher e que deveria ir lavar roupa, cozinhar e por aí vai. Isso quando não eram xingamentos, sempre relacionados a algo sexual. Também já escutei comentários ou piadinhas de colegas”, lamenta a jornalista Clara Albuquerque.

Marina Rios também tem histórias parecidas para contar, já ouviu abusos de torcedores de times rivais e até mesmo do próprio time. “Para ser mulher no esporte, você tem que ter muito pé no chão, a cabeça muito focada. Se não você desiste, porque tudo te leva a isso. É um ambiente muito machista dentro e fora (dos estádios), tem que ter muito pé no chão”, ressalta a jornalista.

“O futebol não foi feito só para eles e nós também temos voz para falar sobre o esporte e isso não é engraçado, motivo de piada. Respeito é necessário e bem-vindo”

As transformações, movimentos e campanhas que acontecem no mundo também são um modo de fazer com que o futebol cresça cada vez mais, principalmente o feminino. Isso faz com que mulheres, sendo torcedoras, fãs ou até jornalistas esportivas, ganhem voz dentro de um campo que antes pertencia aos homens.

Mari Rios afirma que, de fato, o espaço da mulher no futebol vem crescendo bastante. “Os times estão comprando essa causa e desmistificando que futebol é ambiente só de homem. Não é só para homem, pode ser só homens jogando, 11 contra 11, mas todo o staff pode ter – como tem – mulheres competentes. Não estamos onde queremos estar, mas continuamos crescendo.

A caminhada é longa e árdua, pois ainda existe machismo, preconceito, assédio. Não é fácil trabalhar em um ambiente com jogador de futebol, mas o ideal é continuar caminhando, procurando espaço e ocupando-o cada vez mais.”

Ainda de acordo com ela, “o Ceará é um dos times que conta com o maior número de mulheres na comissão técnica no futebol feminino, desde massagista, médica, fisioterapeuta, nutricionista e advogada.”, finaliza.

“Não estamos onde queremos estar, mas continuamos crescendo. A caminhada é longa e árdua, pois ainda existe machismo, preconceito, assédio”

Para Clara Albuquerque, o espaço da mulher no futebol e a valorização do futebol feminino não podem parar. “Existe público, interesse e é necessário o que todas as áreas envolvidas façam suas partes para que a engrenagem funcione de modo sustentável, justo e atrativo para todos os envolvidos, de jogadoras a patrocinadores.”

As quatro estudantes ainda ressaltam que o estereótipo de que “futebol é coisa para macho” precisa ser quebrado. Para Bruna Barbieri, pessoas que afirmam que o futebol é apenas para homem “não vivenciam essa paixão. Quem vê de fora, acha apenas uma brincadeira de torcer. Mas desde muito tempo, as mulheres conseguem frequentar estádios e por algum motivo isso ainda incomoda. A paixão e a vontade de vencer são as mesmas. Somos apenas gêneros diferentes.”

Aos haters: elas estão aqui. A caminhada ainda é longa, mas o desafio é o que incentiva. Elas entraram para desempatar o jogo. Torcedoras, jogadoras, jornalistas, comentaristas, técnicas, entre outras. Todas as possibilidades são infinitas. Como bem disse a artilheira de todas as copas, Marta Vieira da Silva: “chorem no começo para sorrir no fim”.

Publicado por torcidadelas

Página destinada aos torcedores e amantes de futebol. Palpites, cornetadas e muito mais sob o ponto de vista de duas amigas apaixonadas pelo esporte. Email: torcidadelas@outlook.com

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